Viúvo de Zé Celso tenta recuperar acervo de apartamento que pegou fogo: ‘Mexe muito comigo’
- 11 de outubro de 2023
Três meses depois da morte do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, aos 86 anos de idade, o viúvo do artista, o ator e diretor Marcelo Drummond, de 60, se divide entre o Teatro Oficina e o apartamento em que Zé vivia, no Paraíso, na Zona Sul de São Paulo. O local foi atingido por um incêndio em julho e Zé morreu após ter mais de 50% do corpo atingido pelas chamas.
“Passo grande parte dos dias lá no apartamento limpando porque a fuligem penetra em tudo. Então tem que limpar cada objeto, cada texto. Às vezes são pilhas de papel soltos e todos eles têm marcas de fuligem e poeira. Eu vou limpando um por um. É um trabalho bem longo, demorado, mas está indo. E eu tenho feito grande parte sozinho. Às vezes alguém do teatro me acompanha, mas a maior parte do tempo eu faço sozinho. Mexe muito comigo, mas, ao mesmo tempo, me dá muita alegria quando eu vejo que muita coisa se salvou. O acervo do Zé me interessa muito”, afirma ele, que é orientado por uma técnica do patrimônio.
Recentemente, Marcelo abriu uma vaquinha online para reformar os apartamentos destruídos pelas chamas. “Fiz a vaquinha porque o orçamento que me foi apresentado é de R$ 240 mil e ainda exclui a pintura da fachada e o chão e os tacos, que têm que escolher durante a obra. É um valor muito grande para mim, que sou ator do Teatro Oficina, que não tem patrocínio desde 2016”, justifica.
Desde o incêndio, Marcelo ainda tenta entender o que aconteceu. ‘”Foi um choque muito grande para mim, ninguém esperava uma coisa dessa. É claro que o Zé, a cada dia que passava, estava mais frágil, enfim, ele tinha 86 anos. Mas ninguém esperava isso. No dia anterior ao incêndio, a gente estava feliz e combinando projetos”, recorda.
Marcelo lembra que o marido estava empolgado com A Queda do Céu, adaptação idealizada por Zé para o livro de Davi Kopenawa e Bruce Albert. “Eu já ia entrar no projeto de ‘A Queda do Céu’ com ele, porque ele tinha pedido A gente estava muito feliz porque a gente estava caminhando. Mas aí veio essa tragédia. Eu não sei explicar exatamente como eu me sinto, é sempre muito complicado. Mas é duro, isso é verdade”, conta, emocionado.
Zé morava no apartamento que pegou fogo, e na unidade ao lado, vivia Marcelo. Os apartamentos eram autônomos, mas conectados por uma porta. Ricardo e os amigos do casal, Ricardo Bittencourt e Victor Rosa também moravam nesses dois apartamentos e foram socorridos pelos bombeiros.
Apartamento de Zé Celso atingido em incêndio Foto: Reprodução
Apartamento de Zé Celso atingido em incêndio Foto: Reprodução
Dia a dia
Depois da tragédia, Marcelo está hospedado na casa de uma amiga. “Estou meio acampado, porque era uma casa que estava à venda. Vendeu semana passada e eu passei dois meses lá. Ainda bem que eu tive esse apoio, porque eu realmente não tenho para onde ir”, afirma.
Todos os dias, Marcelo vai ao apartamento de Zé, onde passa algumas horas tentando preservar o acervo do dramaturgo. “Fico limpando tudo o que encontro do Zé, principalmente as coisas que não foram editadas, que eu estou deixando em segundo plano: os livros e outras coisas. Tenho pegado primeiro o material do Zé: cadernos, textos, fotos, e são muitos”, conta.
Nas outras horas do dia, o ator e diretor fica no Teatro Oficina. “Estou dirigindo uma peça para estrear em novembro. Meu dia a dia é do apartamento para o teatro, e do teatro volto para a casa onde estou hospedado que fica no Morumbi”, diz.
Marcelo Drummond e Zé Celso Foto: @fioravantealmeida
Zé Celso Martinez Corrêa e Marcelo Drummond Foto: Reprodução Instagram
Luto
Juntos desde 1986, Marcelo e Zé tinham oficializado a união no Teatro Oficina, um mês antes do incêndio. “Eu estou com apoio de terapia, que está sendo essencial para mim, para eu conseguir me movimentar. Foi muito difícil me expor e fazer essa vaquinha, por exemplo. É sempre um problema para mim. Uma coisa é me expor pelo trabalho, outra coisa é pela minha vida, que é tão pessoal. Mas eu tenho o apoio de terapia, de amigos, estou tentando me cuidar”, afirma.
Marcelo diz não saber qual é a pior parte do luto. “Eu nem sei dizer se eu vivi o luto, se eu ainda estou em luto, porque no dia seguinte [da morte de Zé Celso] eu já tinha coisas para resolver, problemas relativos ao apartamento, ao teatro, uma série de coisas que foram me tomando esse tempo todo, esses três meses”, conta.
“Eu nem sei dizer como estou vivendo o luto. É claro que é muito triste. Tem momentos do dia que são mais difíceis, principalmente quando acordo e tenho que encarar um dia novo. Mas durante o dia eu me ocupo de muitas coisas que eu tenho que fazer e vou seguindo a vida”, acrescenta.
“O Zé faz muita falta na minha vida. Tem horas que chego no apartamento e vou olhar o quarto dele como olhava quando ele estava dormindo para ver se ele já tinha acordado, ficava acompanhando a manhã para ver se ele estava bem. Ele faz muita falta no trabalho, faz muita falta na minha vida, no dia a dia. Mas as coisas são o que são, não tem jeito”, conclui.