Entidades veem riscos para a imprensa em tese sobre limites da liberdade de expressão

  • 29 de novembro de 2023

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem na pauta desta quarta-feira (29) a análise da tese que pode responsabilizar os meios de comunicação por declarações dadas em entrevistas

. A avaliação de entidades da área é que o julgamento do caso de repercussão geral — ou seja, que servirá de regra em outros processos parecidos — traz riscos à liberdade de expressão e pode silenciar a mídia, em um movimento antidemocrático.

“Não é uma decisão fácil ou de simples resolução. Uma tese que não observe as garantias constitucionais da liberdade de expressão e de imprensa poderá gerar graves impactos negativos — e quem sabe irreversíveis — no cotidiano das redações e no direito de toda a população de ter acesso à informação”, avaliam as principais entidades ligadas aos veículos de comunicação e de imprensa.

Uma carta assinada por sete representações da coalização em defesa do jornalismo às vésperas do julgamento tem como objetivo sensibilizar os ministros a se debruçarem sobre o tema levando em consideração o livre exercício da atividade jornalística, sem criar “mecanismos que possam conduzir à autocensura e ao enfraquecimento da liberdade de imprensa no Brasil”.

O documento é assinado por Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).

“Imputar uma responsabilidade que não cabe aos veículos pode forçá-los, por exemplo, a ter que fazer um controle prévio das respostas de seus entrevistados ou então a deixar de entrevistar, principalmente ao vivo, muitas pessoas, sob risco de terem que enfrentar posteriormente ações judiciais que podem esgotar os recursos do meio de comunicação ou do próprio jornalista processado”, alertam as entidades.

A liberdade de expressão é garantida pela Constituição Federal, cujo texto prevê a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. A Constituição diz ainda que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão nenhuma restrição.

Julgamento

A ação trata de publicação em matéria jornalística de atos inverídicos. Em agosto, o STF decidiu que veículos de imprensa podem ser responsabilizados civilmente por declarações de terceiros publicadas. Agora, os ministros precisam deliberar a tese da ação. Durante a votação, em agosto, não houve consenso sobre as circunstâncias que podem causar punição.

O recurso extraordinário é relativo a um episódio de 1995. À época, o jornal Diário de Pernambuco publicou uma reportagem na qual o entrevistado acusava o então deputado federal Ricardo Zarattini, morto em 2017, de participar de um atentado a bomba no aeroporto do Recife, em julho de 1966. No episódio, duas pessoas morreram e 14 ficaram feridas. Zarattini foi inocentado das acusações que envolveram o caso, na década de 1980. A ação em análise pelo STF foi aberta pelo ex-parlamentar contra o noticiário.

O processo chegou ao STF em setembro de 2017, com relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, que se aposentou da Corte em 2021. Ele decidiu, antes de sair do Supremo, que “empresa jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual é atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa”.

Avaliação de especialistas

Segundo o advogado especialista em direito constitucional Acácio Miranda, há duas possibilidades em jogo: a responsabilização conjunta do jornal e do entrevistado e um caminho intermediário. Para ele, o primeiro caso pode causar “prejuízos à liberdade de imprensa e manifestação”.

Na segunda hipótese, a responsabilização seria apenas do entrevistado, com inclusão da empresa jornalística “quando ela tivesse ciência que as informações transmitidas eram inverídicas ou erradas ou quando a empresa não consultasse a fonte”. “É o melhor caminho. Só vai responsabilizar o veículo de informação quando há omissão ou equívoco deliberado do jornalista e o veículo acompanha”, completa.

A coordenadora de Incidência da entidade Repórteres Sem Fronteiras (RSF) para a América Latina, Bia Barbosa, afirma que, a depender da tese geral, pode haver impactos irreversíveis para o cotidiano das redações e para o direito de acesso à informação pela população. “Pressupor que, para fazer uma entrevista, inclusive ao vivo, os jornalistas tenham que controlar previamente toda e qualquer declaração a ser feita pelos entrevistados gera risco de autocensura”, analisa.

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