Emissoras querem TV 3.0 no celular, dinheiro barato e tecla no controle remoto

  • 21 de agosto de 2024

Prevista para o final de 2025, a TV 3.0 é uma evolução da TV digital que promete uma experiência rica ao telespectador, com som imersivo, imagem de altíssima resolução (8K), a possibilidade de se assistir a um programa mesmo que ele já tenha começado e de comprar produtos exibidos na tela sem tirar o olho do televisor. Porém, as redes brasileiras de TV querem mais: recepção aberta e direta por telefones celulares, tecla especial nos controles remotos e linhas de crédito baratas e subsídios do governo.

Essas reivindicações e aspirações estão sendo discutidas na SET Expo, feira e convenção promovidas pela Sociedade de Engenharia de Televisão e que acontecem até amanhã (22) em São Paulo. A nova tecnologia virou prioridade das redes porque permitirá às TVs competir com as plataformas digitais pela publicidade programática –como a desta página que você está lendo, que varia para cada usuário.

Presidente da Abert (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), Flávio Lara Resende pontuou em painel na terça (20) que a nova tecnologia “representa um avanço significativo”. Ele, contudo, apontou como necessário “superar importantes desafios” em sua implementação: 1) a falta de espaço eletromagnético para todas emissoras; 2) “a garantia de acesso direto aos sinais de TV aberta nos receptores de televisão”; e 3) a presença da TV aberta “nos smartphones e demais dispositivos móveis”.

A falta de canais aparentemente está sendo resolvida pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Segundo Vinicius Caram, superintendente da agência, o problema será contornado com o uso da faixa de 300 MHz, atualmente ocupada pelas Forças Armadas e serviços privados.

Serão de 12 a 14 novos canais. Além disso, será necessário reorganizar as emissoras e retransmissoras que atualmente ocupam do canal 14 ao 51. “Não tem canal para todo mundo [no atual espectro da radiodifusão]”, enfatizou Caram.

Serão necessários novos canais porque, durante alguns anos, na transição da atual TV digital para a TV 3.0, as redes vão operar com duas frequências, uma para cada tecnologia. Ao final do processo, elas devolverão os canais que não usam mais.

Para o telespectador, na prática isso não fará a menor diferença, porque ele vai acessar as emissoras abertas clicando em aplicativos, como já ocorre com as plataformas de streaming nas TVs conectadas.

Já a transmissão de sinal aberto para smartphones parece ser uma solução mais complicada. Raymundo Barros, presidente do Fórum do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre), lembra que isso foi oferecido no início da atual TV digital, em 2008, mas que hoje nenhuma marca de telefone celular permite sintonizar TV aberta de forma direta, sem ser por meio de um aplicativo que usa a rede de banda larga.

De acordo com Barros, que também é diretor de Tecnologia da Globo, a TV digital não pegou no celular porque não se desenvolveu um sistema em que emissoras, fabricantes de aparelhos e operadoras de telefonia ganhassem dinheiro. No caso, nem a TV aberta tinha benefício, porque essa audiência não era mensurada. 

“Nós aprendemos com uma boa dose de dor e frustração que a mobilidade da TV não é uma questão tecnológica, mas de ecossistema”, disse Barros em painel sobre inovação. Hoje, diz, é possível um arranjo em que todos ganham, já que a publicidade na TV 3.0 será programática, dirigida a perfis específicos de telespectadores, e também pode variar conforme o aparelho receptor e a localização.

Outra barreira será a escala. Fabricantes não vão produzir smartphones que captam televisão aberta só para o Brasil, país de pouco mais de 200 milhões de habitantes. Por isso, os engenheiros de TV brasileiros estão atentos ao que acontece na Índia, um mercado de mais de 1 bilhão de aparelhos, onde a TV aberta tem quatro vezes mais audiência nos celulares do que nos domicílios, de acordo com Raymundo Barros.

Para a Abert, ter o sinal da TV aberta gratuitamente nos smartphones será importante para o futuro da indústria. “Isso é fundamental porque as plataformas concorrem com a gente dessa forma”, disse Flávio Lara Resende.

Roberto Franco, Carlos Fini e Juscelino Filho

Roberto Franco (ex-SBT), Carlos Fini (SET) e o ministro Juscelino Filho

Controle remoto com tecla ‘TV 3.0’

Parece não fazer muito sentido o presidente da principal organização das TVs defender “a garantia de acesso direto aos sinais de TV aberta nos receptores de televisão”, já que televisor sempre foi sinônimo de TV aberta no Brasil.

Entretanto, a preocupação faz sentido: nos últimos anos, fabricantes como a Samsung viraram grandes plataformas de conteúdo. Elas oferecem centenas de canais gratuitos, chamados fast. As TVs abertas perceberam que estão cada vez mais “escondidas” entre esses canais e aplicativos de streaming.

Presidente da Abratel, associação liderada pela Record, Márcio Novaes foi mais explícito em em sua proposta para aumentar a evidência da TV aberta: “O controle remoto dos aparelhos de televisão, na minha opinião, deve ter uma tecla específica para a TV 3.0”, disse, argumentando que seria papel do governo impor essa norma em regulamentação. Essa tecla abriria uma tela com aplicativo de todas as emissoras gratuitas.

Raymundo Barros, da Globo, concorda e fala em “proeminência” da TV aberta. “O que vem acontecendo é que a indústria de receptores se transformou numa indústria de mídia. Hoje são empresas de mídia com ofertas de produtos de mídia, canais fast, próprios, [que fazem] acordos bilaterais com outras empresas de mídia para posicionamento preferencial de seus produtos na primeira tela”, afirmou.

“E a radiodifusão está simplesmente relegada aos cafundós da arquitetura daqueles televisores”, continuou. “Achar a TV aberta num televisor moderno hoje é um exercício que exige certa proficiência em tecnologia. Você vai ter que entrar no menu avançado. Então, um ponto fundamental na TV 3.0 é a proeminência. A TV aberta não pode ficar escondida. Ela precisa ter um botão de acesso no controle remoto”, concluiu o executivo da Globo, com certa ironia.

Outra reivindicação dos radiodifusores é a criação de linhas de crédito subsidiado para financiar a renovação do parque tecnológico das emissoras. A demanda foi encampada pelo Ministério das Comunicações, que a levou para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Presente na abertura do congresso da SET Expo, ontem, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, nada atualizou sobre isso. Tampouco tocou em BNDES o secretário de Comunicação Social Eletrônica, Wilson Wellisch. Ele confirmou que o governo federal estuda incentivos fiscais e subsídios –não só às emissoras, mas também aos fabricantes.

Segundo Wellisch, o Ministério das Comunicações trabalha atualmente no decreto que irá implantar a TV 3.0 no Brasil, definindo padrão, faixas de radiofrequência e normas. O documento deve ficar pronto no final do ano para ser assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva até o início de 2025. Questões mais delicadas, como o sinal aberto em celulares e a tecla “TV 3.0” nos controle remotos, devem ficar de fora.

O padrão já foi escolhido pelos radiodifusores brasileiros. Será o ATSC 3.0, o mesmo dos Estados Unidos e Coreia do Sul. Atualmente, o Brasil usa uma versão do padrão japonês (ISDB).

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