Como um “pacotão” contratado por ídolo quase levou Corinthians a rebaixamento inédito no Paulistão
- 19 de janeiro de 2024
O presidente Augusto Melo prometeu um “choque de gestão” e reformulou o elenco do Corinthians, com seis contratações confirmadas e Matheuzinho encaminhado. Entretanto, há 20 anos, o Timão passou por uma mudança ainda mais brusca, em ações popularmente relembradas como o “Pacotão do Rivellino” e que terminaram no Campeonato Paulista mais caótico da história do clube, em 2004.
Um dos maiores ídolos alvinegros da história, Roberto Rivellino assumiu cargo de diretor de futebol para a temporada de 2004 e contratou 13 novos jogadores para o clube, na época comandado pelo ex-zagueiro Juninho Fonseca. Não deu certo, e o Timão quase acabou rebaixado no Estadual daquele ano.
Chegaram no primeiro semestre o goleiro Fábio Costa, então já consagrado no Santos; o lateral-esquerdo Julinho; o zagueiro Valdson; os volantes Rincón, na época um veterano de 37 anos, e Careca; os meias Samir, Dinelson, Adrianinho, Piá e Rodrigo “Beckham”; e os atacantes Régis “Pitbull”, Marcelo Ramos e Rafael Silva. Sete deles foram apresentados no mesmo dia.
– No início da temporada, naquela época, não era comum os clubes grandes liberarem vários atletas e contratarem muitos jogadores. Quanto isto acontecia ficava claro que no ano anterior o time tinha não tinha conseguido bons resultados nos campeonatos e torneios disputados. O departamento profissional não pode errar nas escolhas dos atletas que saem e muito menos nos atletas que chegam ao clube – analisa o técnico da época, Juninho Fonseca.
O comandante do “pacotão do Rivellino” detalhou os grandes obstáculos para comandar um time com tantas novidades em tão pouco tempo, como ocorreu há 20 anos.
– O mais difícil para a comissão técnica é entender em qual estágio os atletas estavam e qual seria a velocidade e o tempo que os atletas precisavam para atingirem a melhor condição de jogo. Quando chegariam naquele momento da temporada que acertariam muito e errariam muito pouco no que fariam? – refletiu.
– Outra dificuldade é compreender se o atleta contratado tem um perfil, o viés de jogar em clube grande sem muitos sobressaltos. Não é, e nunca será fácil jogar “bem” e, por um longo tempo no Corinthians – declarou.
Dos mais de dez contratados, apenas Fábio Costa e Dinelson tiveram mais espaço e permaneceram no Corinthians depois da campanha ruim do Paulistão. O Timão ficou na elite estadual graças ao rival São Paulo, que venceu (e derrubou) o Juventus na rodada final e manteve o rival na primeira divisão.
A campanha muito ruim tem diversas explicações. A principal delas vem justamente sobre o “pacotão” de reforços, que bagunçou todo o início de ano e tornou caótica toda a campanha no Campeonato Paulista e durante boa parte da temporada. É um diagnóstico quase unânime até por quem estava no grupo dos contratados.
– Era quase impossível dar certo, pois desmontaram um time e montaram outro para o Paulistão. Depois, desmorona aquele time, monta outro para o Brasileiro. Impossível dar certo. Foi um momento muito difícil do Corinthians – relembra Piá, em contato com a reportagem do ge.
– Na época, o Rivellino era o gerente de futebol e montava o elenco, contratando vários jogadores. Depois do Paulista veio a saída do Rivellino, outro profissional e trouxeram outros. Infelizmente foi um momento muito difícil do Corinthians – acrescenta o ex-meia, que chegou contratado por Rivellino depois do Paulistão.
Um dos atletas a deixar o Corinthians pouco tempo depois do Paulistão foi Careca. O volante, que chegou valorizado por passagem pelo Santo André, jogou pouco e diz que encontrou uma equipe bagunçada. Há até arrependimento por aceitar o convite na época.
– Era um time sem estrutura física nenhuma, com 10 jogadores novos que não tinham a experiência de como jogar em um Corinthians; só alguns, como Rincón, Fábio Costa e Marcelo Ramos sabiam o peso mesmo – comentou o ex-volante, que hoje trabalha na área administrativa de um hospital em São Paulo.
– A gente treinava em um espaço que o vestiário era um container. O chuveiro era ligado no fio elétrico. Tinha jogador que pegava carro para tomar banho na Fazendinha. Era um bom material humano, mas sem estrutura. Digo que era um clube do interior com a torcida grande, estruturalmente falando. O que fazia a diferença era a torcida – comenta.
Careca era uma aposta. Entre os mais badalados, Rodrigo “Beckham” compara a chegada de muitos jogadores com o Corinthians de 2024. Em momento de autorreflexão, o meia vê os problemas físicos como o fator para “não ter dado certo” no Corinthians.
– No meu caso não tem a ver com as contratações, acho que tiveram mais a ver com uma lesão que tive e não sabia, no meu joelho, o que causou seguidas lesões musculares, onde não conseguia entrar em um condicionamento adequado – comenta.
– Tinham líderes e nomes, a camisa do Corinthians pesa muito, acho que todo jogador que é contratado pelo Corinthians sabe o peso que vai sofrer para performar no melhor potencial, mas tem expectativa também com essa mística e poder que existe com a camisa do Corinthians – acrescenta o ex-jogador, que hoje se dedica ao surfe como esporte.
A reportagem entrou em contato desde a semana passada com Rivellino para comentar as decisões dessa época, mas não obteve resposta.
Consequências
O insucesso do pacotão de reforços trouxe lembranças amargas para alguns dos envolvidos. Rodrigo “Beckham” lembra de um caso em especial, ocorrido no embarque para a partida contra o Ferroviário, pela segunda fase da Copa do Brasil, em março.
– Teve um embarque em que a torcida estava esperando a gente para nos receber com ovos. Primeiro desceram o Rincón e o Fábio Costa, mas não atacaram. Quando desci, assim como o Careca e outros, viramos alvo dos ovos. Era mais fácil do que atacar um ovo no Rincón – lembra Rodrigo.
A lembrança do ídolo corintiano, que morreu em 13 de abril de 2022, existe entre os reforços daquela ocasião. Mesmo voltando ao time naquela época, Rincón carregava um perfil de liderança que rapidamente se instalou e causou algumas divisões.
– Rapidamente percebi o ambiente que se formava. Tinham dois ou três grupos divididos ali no vestiário, era algo que existia dentro dos jogadores que estavam lá há anos. Era o grupo dos mais jovens, com Gil e Anderson, outro dos mais experientes com o Rogério, Rincón, Fábio Costa e Marcelo Ramos – afirma Piá, relembrando o momento da chegada pós-Paulistão.