Michelle desponta nos planos do PL para herdar popularidade de Bolsonaro

  • 2 de março de 2024

Desde que Jair Bolsonaro foi declarado inelegível pela Justiça, muito se especula sobre o seu futuro político. Sabe-se que uma anistia concedida pelo Congresso é uma hipótese que habita o imaginário do ex-presidente. Para isso, bastaria o apoio de 41 dos 81 senadores e de 257 dos 513 deputados federais a um projeto de lei, além da disposição do Congresso de confrontar abertamente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, por derivação, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta até já existe, foi apresentada pelo deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) e prevê a anulação geral de todas as punições por crimes eleitorais praticados nos últimos oito anos. No cenário atual, evidentemente, é improvável o avanço de qualquer intento nessa direção. Por isso, já está em andamento um dos planos de contingência do bolsonarismo: a entrada em cena da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, candidata a herdeira pessoal da popularidade do marido. Na manifestação de domingo passado em São Paulo, essa estratégia ficou evidente.

Michelle ocupou uma posição de destaque no palanque. Ela discursou durante quinze minutos, muito mais tempo do que estrelas como o governador Tarcísio de Freitas. No ritmo de um culto religioso, falou ao eleitorado feminino (“como é difícil para nós mulheres estarmos à frente da política”), aos evangélicos (“chegou agora o momento da libertação. Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”) e sobre uma fusão da política com a religião (“por um tempo nós fomos negligentes a ponto de falarmos que não poderia misturar política com religião e o mal ocupou o espaço”). Lamentável. Sempre em tom emotivo, também rezou e chorou. O público aplaudiu o que pode ter sido o primeiro grande ensaio para a estreia eleitoral da ex-­primeira-dama, début que talvez aconteça em breve, numa eleição suplementar no Paraná, caso se confirme a cassação do mandato do senador Sergio Moro, num julgamento marcado para o início de abril.

JULGAMENTO - Sergio Moro: senador pode ter o mandato cassado em abril
JULGAMENTO - Sergio Moro: senador pode ter o mandato cassado em abril (Wagner Meier/Getty Images)

O ex-juiz da Lava-Jato é acusado de abuso de poder econômico. O PL, partido do ex-presidente e da ex-primeira-dama, e a coligação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) — autores da ação — alegam que Moro realizou gastos substanciais em sua pré-campanha à Presidência da República em 2022. Mais tarde, ao optar por disputar uma cadeira no Congresso, teria se beneficiado disso em detrimento dos demais candidatos. Se o Tribunal Regional do Paraná julgar as acusações procedentes, o senador terá o mandato cassado e será declarado inelegível por um período de oito anos. Ele ainda poderá recorrer ao TSE, que, nos últimos tempos, tem sido célere e rigoroso em casos semelhantes. Se a condenação for mantida, haverá um pleito para escolher o novo representante paranaense no Senado. Em conversas reservadas, Bolsonaro já admitiu que Michelle poderá disputar a vaga.

O PL acredita que a força do bolsonarismo no estado coloca a ex-primeira-dama na condição de favorita logo de início, apesar de ela morar em Brasília e mal conhecer Curitiba. Em 2022, o ex-presidente teve 55% dos votos do estado no primeiro turno e 62% no segundo, elegeu Sergio Moro para a única vaga ao Senado e fez três dos oito deputados federais. A disputa, se houver, será mais um round do embate entre petistas e bolsonaristas. O PT tem duas de suas estrelas de olho na vaga — a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do partido, e o deputado Zeca Dirceu, filho do ex-ministro José Dirceu. Além de Michelle, dois apoiadores do ex-presidente se apresentam como pré-candidatos: o ex-deputado Paulo Martins (PL) e o ex-ministro e deputado Ricardo Barros (PP).

POLARIZAÇÃO - Gleisi e Zeca: novo confronto entre petistas e bolsonaristas
POLARIZAÇÃO - Gleisi e Zeca: novo confronto entre petistas e bolsonaristas (Renato Araújo/Câmara dos Deputados; Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

Na pesquisa mais recente, realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas no fim de 2023, Michelle aparecia em primeiro lugar, com 35,7% das intenções de voto, 10 pontos percentuais a mais que o segundo colocado, o ex-senador Alvaro Dias (24,4%), do Podemos, e mais que o dobro da petista Glesi Hoffmann (16,2%). “Michelle é favorita, mas se forem apresentadas várias candidaturas de centro-direita, como parece que vai acontecer, as chances do PT crescem”, diz Murilo Hidalgo, diretor do instituto. Para disputar, Michelle teria que mudar o domicílio eleitoral de Brasília para o Paraná até abril, além de convencer os aliados do marido a abrir mão das candidaturas — o que não deve ser uma tarefa muito simples. Ricardo Barros, por exemplo, afirma que a hipótese de uma desistência não está no horizonte. Muito pelo contrário. “Se tiver eleição suplementar, serei o candidato do PP”, garante o ex-ministro da Saúde do governo de Michel Temer. E se o ex-presidente pedir? “Como não tem nada definido ainda, melhor deixar para ver o que vai acontecer lá na frente”, desconversa.

Nas eleições de 2022, Paulo Martins era considerado um azarão. Às vésperas do pleito, as pesquisas lhe davam apenas 4% dos votos. Abertas as urnas, veio a surpresa: ele ficou em segundo lugar na disputa pelo Senado, com 255 000 votos atrás de Sergio Moro. Aliado e correligionário de Bolsonaro, o ex-deputado, diante do bom desempenho, vinha sendo cotado naturalmente como o nome mais forte da legenda para disputar a vaga para uma eventual eleição suplementar. Ele, inclusive, já teria recebido sinal verde de Valdemar Costa Neto, o presidente do PL. “Nosso candidato é o Paulo Martins”, confirma o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), uma das lideranças da legenda. E se o ex-presidente pedir? “Vamos avaliar, mas é mais provável que a Michelle substitua o próprio Bolsonaro como candidata a presidente em 2026”, desconversa. Uma coisa não anula a outra.

PRIMEIRO DA FILA - Paulo Martins: desempenho surpreendente em 2022 o credenciou para a disputa
PRIMEIRO DA FILA - Paulo Martins: desempenho surpreendente em 2022 o credenciou para a disputa (Giuliano Gomes/PR Press/Folhapress/.)

O PL já traçou vários cenários depois de decretada a inelegibilidade do ex-presidente — e Michelle ocupa posição de destaque em todos eles. A disputa para o Senado no Paraná serviria para dar à ex-primeira-dama visibilidade e experiência política. Os planos para ela, porém, são bem mais ambiciosos. Michelle é considerada como potencial candidata a vice-­presidente e até mesmo uma opção para presidente da República. “Temos uma pesquisa mostrando que, numa disputa direta, Michelle está hoje 7 pontos atrás do Lula. Até o final do ano, ela passa”, diz um importante dirigente partidário. Falar sobre essa hipótese, no entanto, incomoda Jair Bolsonaro. Para ele, é cedo para projeções eleitorais que envolvam a esposa e precipitado considerá-lo uma carta fora do baralho. Acuado por investigações sobre uma tentativa de golpe, o ex-presidente, no íntimo, ainda acredita em uma reviravolta.

A POSTOS - Barros, ex-ministro da Saúde de Bolsonaro: “Serei o candidato do PP”
A POSTOS - Barros, ex-ministro da Saúde de Bolsonaro: “Serei o candidato do PP” (Ricardo Marajó/SMCS/.)

Bolsonaro não deixa a conversa fluir quando alguém toca nesse assunto, mas seus assessores, sob a condição de anonimato, discorrem abertamente sobre um caso que aconteceu três décadas atrás. Em 1994, o senador Humberto Lucena (PMDB-PB) foi acusado de abuso de poder e teve o mandato cassado. No início daquele ano, ele mandou imprimir na gráfica oficial do Senado calendários com o seu nome, sua foto e a inscrição “Senador Humberto Lucena — 1994”. O material foi considerado propaganda antecipada. O parlamentar teve o registro suspenso pelo TSE, disputou a reeleição amparado numa liminar, venceu, mas acabou tendo a cassação confirmada pela Justiça. Na época, o Congresso, comandado pelo PMDB, aprovou um projeto anistiando todos os acusados de usar a gráfica oficial para fins eleitorais. A Ordem dos Advogados do Brasil chegou a questionar a constitucionalidade da lei, mas o Supremo confirmou a legalidade da decisão do Congresso. Lucena assumiu o mandato, mas não chegou a completá-lo. Ele morreu quatro anos depois devido a complicações cardíacas.

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