Infiltrado no PSOL pode ter inventado informações sobre Marielle, diz PF

  • 26 de março de 2024

Em sua delação, Ronnie Lessa disse que o miliciano Laerte Silva de Lima, que se filiou ao PSOL em 2016 para monitorar os passos de Marielle Franco, a mando de Domingos e Chiquinho Brazão, pode ter “enfeitado o pavão” e levado os irmãos a dimensionarem mal as ações políticas da parlamentar.

“Nesse momento, ponderou-se a possibilidade de que este poderia ter sobrevalorizado ou, até mesmo, inventado informações para prestar contas de sua atuação como infiltrado”, diz o relatório da PF.

O relatório indica que a criação dessa animosidade explicaria, por exemplo, a reação fora do comum que Chiquinho teve contra um assessor de Marielle depois que a vereadora se opôs a um projeto de lei dele na Câmara do Rio.

O projeto era o 174 de maio de 2017, sobre a flexibilização de regras de regularização fundiária na Zona Oeste. Ele mirava especificamente áreas de interesse da família Brazão.

Na época, toda a bancada do Psol votou contra o projeto, além de dois vereadores de outros partidos.

O assessor de Marielle relatou à polícia que depois da votação Chiquinho mostrou uma irritação fora do comum, que nunca tinha sido vista por ele e que teria cobrado apoios que já teria dado à Marielle em outros projetos.

A lei, mesmo aprovada, depois foi vetada pelo então prefeito Marcelo Crivella, e depois julgada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça.

Milicianos infiltrados

Durante o depoimento à PF, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Lessa afirmou os irmãos Brazão infiltraram Laerte e sua mulher, Erileide Barbosa da Rocha, no PSOL para vigiar a vereadora.

Considerados “braços armados” da milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste, os paramilitares receberam a missão de monitorar os passos da psolista e levantar informações que pudessem ajudar no crime.

Segundo Lessa, Laerte tinha vínculo direto com o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido) e o conselheiro do Tribunal de Contas Domingos Brazão (MDB). Lessa, no entanto, não explicou o que Laerte e Erileide ganhariam com o monitoramento da vereadora.

O cadastro de filiação dos dois aconteceu no mesmo dia em que Lessa começou a fazer buscas na internet pelo nome de Marcelo Freixo, na época, uma das figuras mais atuantes do PSOL.

Em 2019, Lessa admitiu em depoimento ao Ministério Público do Rio (MPRJ) ter pesquisado na internet informações sobre o então deputado federal.

Lessa diz, em sua defesa, que costuma ser um leitor assíduo de reportagens e que presta atenção nas informações. “Eu não só leio, eu navego”, argumentou. Segundo o militar reformado, ao ler uma notícia sobre Freixo, então candidato, decidiu fazer buscas na internet sobre ele e sua filha, mas apenas por curiosidade.

Quem é Laerte

Miliciano de Rio das Pedras, Laerte foi preso em 2019, no âmbito da Operação Intocáveis, que surgiu como um desdobramento das investigações do caso Marielle. Em 2020, ele teve direito à liberdade condicional. Mas, no final de 2023, voltou a ser preso em uma ação do MP contra a milícia de Rio das Pedras.

Segundo as investigações, Laerte era um dos principais responsáveis pelo recolhimento e repasse das taxas pagas pelos comerciantes e moradores da região.

Ele também atuava no ramo de agiotagem (empréstimo de dinheiro a juros extorsivos), fundamental para os negócios da organização criminosa.

A denúncia do Ministério Público afirma que um endereço em nome de Laerte, na Estrada de Jacarepaguá, nº 3145, era considerado um “escritório” da organização.

Filiação de Laerte

Certidão de filiação dos milicianos — Foto: Reprodução

Certidão de filiação dos milicianos — Foto: Reprodução

Laerte, conforme revela o relatório final da PF sobre a morte de Marielle, filiou-se ao PSOL cerca de vinte dias depois do segundo turno das eleições de 2016.

A esposa de Laerte, Erileide Barbosa da Rocha, presa por envolvimento com a quadrilha, também foi infiltrada no partido para ajudar a levantar informações sobre a vereadora.

Ela chegou ao PSOL um ano antes da morte de Marielle, segundo a PF. Na milícia, “ela ajudava Laerte a tocar os negócios do grupo paramilitar, atuando na área de contabilidade.”

As investigações concluíram, porém, que a chegada de Laerte ao PSOL tinha um interesse mais amplo: de monitorar eventuais represálias aos interesses da milícia oriundos de parlamentares da sigla.

“Contudo, à época, nada seguiu ou evoluiu para além das pesquisas”, ressalta a Polícia.

Entretanto, tudo teria começado a mudar quando, segundo o relato feito aos investigadores por Ronnie Lessa, o miliciano presenciou a parlamentar pedindo à população que não aderisse a loteamentos situados em área de milícia. O fato teria sido a gota d’água para os irmãos Brazão.

Em 2020, após vir à tona que Laerte tinha envolvimento com a milícia, ele e a mulher foram expulsos do PSOL. O processo de desfiliação respeitou os trâmites normais do estatuto do partido.

Chefe de milícia também seguiu Marielle

Macalé e Marielle — Foto: Reprodução

Macalé e Marielle — Foto: Reprodução

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Ronnie Lessa, em um dos trechos do relatório da Polícia Federal, diz que, no dia 14 de março, recebeu uma ligação de Edimilson da Silva, conhecido como Macalé, que ajudou no planejamento do crime.

Macalé, segundo Lessa, afirmou que ligou para o celular de Laerte, para confirmar informações se Marielle estaria no Centro do Rio, na Casa das Pretas.

Ronald Paulo Alves Pereira, major da PM, chega preso à Cidade da Polícia na operação Intocáveis, em 2019 — Foto: Reprodução/GloboNews

Ronald Paulo Alves Pereira, major da PM, chega preso à Cidade da Polícia na operação Intocáveis, em 2019 — Foto: Reprodução/GloboNews

No entanto, quem atendeu o celular foi Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como Major Ronald, um dos alvos MP na Operação Intocáveis, e preso na ação. Ele era considerado um dos principais chefes da organização criminosa.

Segundo Lessa, Ronald e Laerte passaram diversas informações sobre o que Marielle faria naquele dia. Durante as investigações da Operação Nevoeiro, da Polícia Federal, investigadores descobriram que Ronald esteve no mesmo endereço que Marielle, no número 10 da Rua da Assembleia, no Centro, no dia 6 de março.

Provas obtidas pela Polícia Federal também apontam que um dos locais da antena do telefone de Ronald, no dia, é no mesmo ponto em que Marielle e seu motorista foram baleados e mortos, na Rua Joaquim Palhares, no Centro.

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