Após demissões, filha de Silvio Santos ora com pastor bolsonarista para salvar SBT

  • 7 de outubro de 2024

Emissora com um histórico de distanciamento de igrejas, o SBT está cada vez mais sob a influência de coaches e pastores evangélicos. Na última quinta-feira (3), a vice-presidente Daniela Beyruti participou de uma oração liderada pelo pastor André Valadão no cenário do Tá No Ar, uma das apostas que não deram certo em 2024.

Participaram da oração, em um círculo, os apresentadores Marcão do Povo e Márcia Dantas, o animador de auditório Liminha e dois assessores de Valadão, que preside a Igreja Batista da Lagoinha. Segundo uma fonte, pediu-se a Deus que mostre o caminho do sucesso para o Tá na Hora e o SBT.

André Valadão ganhou notoriedade nos últimos anos por defender o ex-presidente Jair Bolsonaro e por declarações polêmicas e divulgação de fake news contra Luiz Inácio Lula da Silva em redes sociais. Foi acusado de homofobia ao dizer que a homossexualidade é uma “imoralidade”. Neste ano, orientou seus fiéis a não enviar filhos à universidade, um ambiente “que pode acabar com a vida”.

Filha número três de Silvio Santos, Daniela fez um tour pelo SBT com Valadão, que se encontrou também com Cesar Filho, apresentador do SBT Brasil. No Instagram, Valadão publicou uma foto ao lado de Daniela Beyruti com a legenda “passamos horas juntos e novidades, já, já estarão chegando”.

Nos bastidores, a visita do pastor foi vista como mais um marcador da influência de lideranças de orientação evangélica na emissora, que vive um mau momento.

O SBT passa por uma crise de audiência e de receitas, e a oração de Valadão aconteceu na semana em que a emissora perdeu seu diretor de programação, Murilo Fraga, o diretor de programas Ariel Jacobowitz e a diretora comercial, Luciana Valério. Em setembro, dezenas de funcionários foram demitidos em um processo de redução de despesas para evitar rombo no caixa.

Daniela, suas irmãs e a mãe, Iris Abravanel, são evangélicas. Uma das primeiras ações de Daniela como vice-presidente do SBT, no ano passado, foi contratar o coach Paulo Vieira para dar uma série de “treinamentos pessoais e profissionais” para ela, Patricia e também para executivos e diretores de programas de todo o Grupo Silvio Santos.

A reportagem revelou na época, o discurso de fé, família e prosperidade de Vieira incomodou profissionais. Um participante de um encontro para mais de 200 funcionários definiu o coach como uma mistura de pastor evangélico com psicoterapeuta. A parceria segue firme.

Coach tem até crachá de acesso ao SBT

Outra figura carimbada nos bastidores do SBT é o criador de conteúdo digital André Vitor, que se identifica numa rede social como “Filho do Deus Vivo, conferencista, escritor, mentor” e “alguém que ama Cristo e ama vidas”. Ele é chamado de pastor nos corredores da emissora, mas não o é.

Em um vídeo publicado no Instagram em junho, André Vitor faz uma pregação para o auditório que aguarda o início das gravações do Programa Silvio Santos, com Patricia Abravanel. Ela o apresenta às colegas de trabalho como “um amigo muito inteligente” e que “conhece muito a Bíblia e Deus”. Ele recomenda que a plateia “desenvolva sua fé”, porque as “pessoas que têm fé saram mais rápido”.

“Não é porque você tem Deus que você não passa por desafio, não é porque você tem Deus que você não passa por dias maus, não é porque você tem Deus que você não chora, mas com Ele nós podemos todas as coisas”, disse ao auditório, diante de uma Patricia Abravanel quase em êxtase (veja o vídeo no final desse texto).

Embora não seja funcionário, André Vitor tem crachá de acesso às instalações do SBT em Osasco (Grande São Paulo) e estaciona em vaga VIP. Tem tido influência nos rumos da emissora.

Ele defendeu a contratação de Tirulipa, que apresenta o Circo do Tiru (ameaçado de sair do ar no final do ano por baixa audiência) e fez a ponte entre a emissora e Lucas Guimarães, cujo programa teve a estreia adiada três vezes e pode ser cancelado caso a emissora não consiga viabilizá-lo comercialmente.

Também se atribui aos coaches cristãos a ideia de se criar um painel, afixado em vários pontos do SBT na última semana, que mostram os programas da emissora que estão em segundo e terceiro lugares na Kantar Ibope. Como são muitos os que perderam a vice-liderança (alguns ficam até em quarto lugar), o painel foi apelidado internamente de Mural da Vergonha.

A ideia por trás seria estimular a competição interna e gerar reação naqueles que sentem vergonha pelo terceiro lugar. Nas redes sociais, a iniciativa foi apontada como possível assédio moral. Procurado, o SBT disse que o painel já circulava em emails internos e que a iniciativa foi do departamento de marketing, sem qualquer interferência externa.

Há quem entenda que não há nada errado em se realizar orações nos ambientes de trabalho de emissoras de TV, que são empresas privadas que operam concessões públicas de interesse social. Além de discutível, isso não é comum. Nem na Record, que pertence a Edir Macedo, líder da Igreja Universal, há orações. Por outro lado, diferentemente das outras emissoras, o SBT não exibe programas religiosos. Ainda.

Outro lado: ‘Pastores só queriam conhecer SBT’

Após a publicação deste texto, o SBT enviou a seguinte nota: “Gostaríamos de esclarecer alguns pontos equivocados da sua reportagem. Os pastores são do grupo Rede Super e queriam apenas conhecer os bastidores do SBT.”

“Ao chegarem no estúdio, o apresentador Marcão do Povo pediu uma foto, e a apresentadora Márcia Dantas solicitou uma oração. Todos ficaram sem graça, mas atenderam ao pedido. Em nenhum momento Daniela Abravanel Beyruti abriu orações com os convidados.”

A reportagem agradece a informação de que “todos ficaram sem graça”, mas esclarece que não há “pontos equivocados”. Como se pode ler no texto, que não foi alterado, não há citação à Rede Super (que é um canal de TV de Belo Horizonte pertencente à Igreja da Lagoinha). Também não está dito que Daniela Abravanel Beyruti abriu oração, mas que participou de uma, liderada pelo pastor André Valadão.

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