Presidenciáveis mostram força em seus estados e reforçam posições para 2026
- 4 de novembro de 2024
Debaixo de chuva, o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) improvisou um boné e uma capa para continuar a andança por uma feira, onde abraçou e beijou apoiadores e pediu votos para seu aliado em Goiânia. Também ensopado, neste caso pelo suor provocado pelo calorão, Tarcísio de Freitas (Republicanos) caprichou nos discursos em palanques e foi visto até tocando um tam-tam numa roda de samba em São Paulo. Ratinho Junior (PSD), por sua vez, liderou, do alto da caçamba de uma caminhonete, uma carreata para pedir votos aos moradores e ainda investiu em visitas a lideranças religiosas de Curitiba. Confundindo-se com os próprios candidatos, o trio de governadores mergulhou fundo nas campanhas municipais deste ano e, como resultado, conseguiu formar um amplo arco de apoio entre os prefeitos de seus estados. Para os governadores, eleger os pupilos era mais que um desafio. Era também uma prova de prestígio, de capacidade e de força para 2026. Pode-se dizer que os três foram aprovados com louvor.
Filiados a partidos diferentes, Tarcísio, Caiado e Ratinho acumulam semelhanças. Os três têm altos índices de aprovação, defendem uma agenda conservadora, pertencem a legendas que fazem parte do governo federal e, apesar disso, consideram a possibilidade de disputar a Presidência da República em oposição a Lula. As eleições municipais serviram como um teste. Em São Paulo, Tarcísio foi o principal articulador da candidatura de Ricardo Nunes (MDB), reeleito em segundo turno contra Guilherme Boulos (PSOL) por uma considerável diferença de votos. Em seu discurso da vitória, o prefeito agradeceu ao governador, chamado de “líder maior”, e ressaltou que sem ele o resultado não teria sido possível. Tarcísio aproveitou o momento para dar um recado: “Essa é uma vitória que ensina muita coisa para muita gente. Muita gente que abandonou os mais humildes, que se preocupa com o identitarismo, mas isso não resolve nada, não enche barriga, não resolve o problema”, disse o governador.
A partir do ano que vem, nada menos que 97,5% das cidades paulistas serão comandadas pelos aliados do governador de São Paulo — uma inequívoca demonstração de força política. Tarcísio liderou uma frente de onze partidos de centro e de direita, se empenhou pessoalmente na campanha do emedebista, especialmente no momento em que ela enfrentou turbulências, e impôs ao campo da esquerda, particularmente ao PT, a maior derrota regional do partido desde que ele disputou as primeiras eleições municipais. A supremacia alcançada no colégio eleitoral que reúne um quinto de toda a população do país consolidou a posição do governador como um personagem em condições de influenciar o cenário político nacional de agora em diante, incluindo uma candidatura ao Planalto. Ele, porém, se recusa a especular sobre essa hipótese. A pessoas próximas, costuma repetir que é muito jovem e não se aventuraria a entrar numa disputa com Lula, arriscando sua reeleição em 2026. Além disso, afirma, deve lealdade a seu mentor, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
No Congresso, lideranças importantes não escondem que já existe um movimento para materializar a candidatura do governador. Um dos políticos mais influentes da Câmara conta, sob reserva, que deputados e senadores têm sido procurados por empresários importantes que tentam convencê-los a abraçar a ideia desde já. Líderes do chamado Centrão confidenciam que esperam uma sinalização de Tarcísio, mesmo que indireta, até junho do ano que vem. Aliados de Jair Bolsonaro já captaram esses sinais. O ex-presidente, que está inelegível, ainda acredita que o Congresso pode aprovar o projeto que prevê uma anistia que beneficiaria ele e os demais envolvidos nos ataques do 8 de Janeiro e nas tramas golpistas, devolvendo seus direitos políticos e permitindo que ele voltasse a disputar a Presidência. A consolidação de uma eventual candidatura do governador de São Paulo poderia desestimular muitos que hoje ainda acreditam nessa possibilidade. Por causa dessas arestas, Tarcísio, sempre que pode, desconversa sobre seus planos, diferentemente de Ratinho e Caiado.
Eleito duas vezes no primeiro turno, o governador do Paraná também saiu bem-sucedido na disputa municipal deste ano, fazendo 257 das 399 cidades. Na capital, Eduardo Pimentel manteve a hegemonia do PSD e se elegeu em segundo turno com 57% dos votos contra Cristina Graeml (PMB). O papel de cabo eleitoral coube ao governador, que aproveitou a campanha do aliado para expor números de sua gestão, propagandeada pelo slogan “Modelo Paraná”. A VEJA, Ratinho Junior se disse contra uma aliança de seu partido com Lula em 2026 e indicou que pode se apresentar como uma opção ao Brasil. “Naturalmente alguém que é governador de um estado importante como o Paraná, que tem tido bons resultados, acaba estando no tabuleiro. Claro que isso passa por uma construção que não é simples, mas quero colaborar com um novo projeto para o país”, afirmou.
Dos três governadores, Ronaldo Caiado é o único que não tergiversa quando indagado sobre seus planos. Numa queda de braço travada diretamente com Bolsonaro, ele elegeu o correligionário Sandro Mabel na prefeitura de Goiânia com 55% dos votos contra Fred Rodrigues (PL), apoiado pelo ex-presidente, e alcançou 212 aliados nas 246 cidades. A próxima disputa, agora, é interna. O problema é que seu partido, o União Brasil, é parceiro do governo federal, assim como o PSD de Ratinho e o Republicanos de Tarcísio. A diferença é que o governador quer consolidar sua candidatura contra o petista desde já, o que criaria uma situação esdrúxula: ele trabalhando para derrotar Lula enquanto sua legenda ocupa três ministérios no mesmo governo Lula. Essa aliança, no entanto, teria prazo de validade. “A posição do partido será lançar um candidato a presidente”, garante ele. “E eu serei o candidato”, assegura.
O governador pretende começar a visitar os estados já no próximo ano e mostrar algumas das vitrines de Goiás, como os avanços na segurança e na educação. O discurso, inclusive, já está na ponta da língua. “Eu sou um bom gestor. Goiás tem apenas 7 milhões de habitantes, mas tenho competência para implantar nossas políticas bem-sucedidas em todo o país”, diz. “Essa eleição mudou a correlação de forças, o que significa que é preciso repensar alianças para médio e longo prazos. Bolsonaro não pode se candidatar. Isso vai fazer com que diversos candidatos apareçam”, afirma Alberto Aggio, professor de ciências políticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Analistas também alertam para outro detalhe que não deve ser desconsiderado. Num primeiro momento, a fusão com os pupilos serve como uma demonstração de força. Lá na frente, pode se transformar num problema. “Se, por exemplo, a gestão de Ricardo Nunes for ruim, o eleitor pode optar por punir o grupo que o apoiou, ou seja, o de Tarcísio, não votando nele em 2026”, explicou Fernando Guarnieri, professor de ciências políticas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
As engrenagens que movimentarão a disputa em 2026 já começaram a operar. Em fevereiro do próximo ano, por exemplo, a Câmara vai eleger seu novo presidente. O atual, Arthur Lira (PP-AL), anunciou, na terça-feira 29, o deputado Hugo Motta, líder do Republicanos, como o parlamentar que reúne as melhores condições para assumir o posto, considerado como o terceiro mais importante da República. O presidente da Câmara pode acelerar e engavetar projetos importantes. Pode, portanto, facilitar ou dificultar a vida do presidente da República. Motta é o favorito, pertence ao mesmo partido de Tarcísio de Freitas, tem um perfil conservador semelhante ao do governador e foi da base de apoio de Jair Bolsonaro. Ao mesmo tempo, é um político tradicional, do tipo que não mede esforços para manter relações amistosas com quem está no poder. São muitas as possibilidades de um jogo que ainda está começando. Mas é indiscutível o fato de que os três governadores ampliaram seus cacifes para entrar na disputa.