Lula tenta fincar bandeira em terreno caro à direita e a Bolsonaro
- 11 de novembro de 2024
No último dia 31, o presidente Lula recebeu governadores para tratar de uma proposta de emenda constitucional (PEC) para a área de segurança pública, que era prometida há meses, mas tinha ficado em banho-maria em razão de uma disputa interna entre os ministros da Justiça, Ricardo Lewandowski, e da Casa Civil, Rui Costa.
Levada à mesa de negociação quatro dias após a derrota do PT e da esquerda nas eleições municipais, a PEC dá à União o poder de estabelecer diretrizes gerais na política de segurança, amplia o arco de atuação da Polícia Rodoviária Federal e fortalece o papel da Polícia Federal no combate a organizações criminosas e milícias. Politicamente, é a principal aposta do presidente para sair das cordas num tema usado por Jair Bolsonaro e a direita para desgastar o governo.
Jogo duro
O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), elogiou a iniciativa e afirmou que a primeira impressão sobre a PEC foi positiva. Apesar dessa declaração, o caminho até a aprovação da proposta será longo e tortuoso. Integrantes da chamada bancada da bala anunciaram a intenção de votar um projeto alternativo, redigido por eles. Já alguns governadores demonstraram preocupação com a possibilidade de o governo federal acabar com a autonomia dos estados em determinados assuntos de segurança.
Em tese, esse confronto de posições divergentes pode servir de motor para o aperfeiçoamento do texto. O problema é que boa parte dos atores envolvidos na questão está mais preocupada com o impacto eleitoral do que com o mérito da PEC. Políticos de direita não querem abrir mão do discurso, de forte apelo popular, de que jogam duro contra os criminosos, enquanto Lula e o PT “defendem bandidos”, como gostam de repetir nas redes sociais e nos plenários da Câmara e do Senado.
Esse pano de fundo eleitoral, que pode atrapalhar o resultado final da proposta, ficou evidente durante a reunião do presidente com os governadores. No encontro, Ronaldo Caiado, pré-candidato à Presidência pelo União Brasil, reclamou de uma suposta tentativa de usurpação de prerrogativa dos governadores e afirmou ter derrotado o crime organizado em Goiás. Lula recorreu à ironia na réplica: “Tive a oportunidade hoje de conhecer o único Estado que não tem problema de segurança”.
Desgaste e falta de rumo
Desde o início do terceiro mandato de Lula, o governo e o PT procuram um discurso e uma proposta para reagir à direita no tema da segurança pública. A PEC é uma tentativa dos governistas de achar um norte e evitar que a esquerda perca a disputa política por não ter ou não saber o que dizer. Ou por não ter coragem de defender o que realmente pensa, como ocorreu quando da votação do projeto que endureceu as regras sobre saidinhas de presos.
Depois de um período de omissão e inação, Lula resolveu quebrar o silêncio governista num setor que tanta preocupação causa à população — e tantos dividendos eleitorais gera para os oposicionistas. “A PEC representa uma tentativa do governo de mostrar protagonismo no tema da segurança pública, em que o governo ainda deixa muito a desejar”, diz Rafael Alcadipani, professor da FGV e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “A PEC não terá uma vida fácil no Congresso, pois a direita não quer oferecer protagonismo para a esquerda num tema que lhe é tão caro.”