Crise na segurança põe em xeque política linha dura da gestão de Tarcísio em SP
- 6 de dezembro de 2024
As pressões para que Tarcísio de Freitas (Republicanos) embarque numa candidatura ao Palácio do Planalto para 2026 não vêm de hoje, mas aumentaram após as revelações do relatório da Polícia Federal sobre a participação de Jair Bolsonaro numa tentativa de golpe para evitar a posse de Lula. As perspectivas do capitão na Justiça daqui em diante pioraram consideravelmente, o que deve inviabilizar de vez a tentativa de recuperação dos seus direitos políticos. Cria do ex-presidente, o governador paulista é visto como o herdeiro natural dele junto ao eleitorado de direita, mas se vê agora às voltas com a primeira grande crise de uma gestão prestes a completar dois anos — e, o pior, numa área especialmente sensível, a da segurança, por causa de uma sucessão aterradora de cenas de excessos de violência cometidos por agentes policiais do estado.
No intervalo de poucas semanas, o país se viu chocado pela sequência inacreditável de brutalidades. No início do mês passado, um garoto de 4 anos acabou sendo acidentalmente baleado por um tiro de espingarda calibre 12 durante uma ação da PM em Santos, no litoral paulista — outra vítima fatal da mesma operação foi um adolescente de 17 anos. Ainda em novembro, um estudante de medicina foi morto com um tiro à queima-roupa na capital, segundo a versão oficial, por ter fugido dos PMs após dar um tapa no retrovisor de uma viatura. Nos episódios mais recentes, um assaltante que fugia de um mercado com produtos de limpeza levou onze tiros nas costas e um policial foi filmado jogando um homem de cima de uma ponte.
A repercussão dos casos obrigou Tarcísio de Freitas a mudar o discurso. Em março, ele havia ironizado a denúncia de promover operações policiais que violavam diretos humanos enviada à ONU por entidades brasileiras. “Não tô nem aí”, disse. Agora, diante da sucessão de episódios brutais, viu-se obrigado a repreender a tropa. “Policial está na rua para enfrentar o crime e fazer com que as pessoas se sintam seguras. Aquele que atira pelas costas, que chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte, evidentemente não está à altura de usar essa farda. Esses casos serão investigados e rigorosamente punidos”, publicou ele na rede X. Na quinta-feira 5, o PM que atirou o rapaz de um viaduto foi preso após pedido da Corregedoria.
Ao mesmo tempo, Tarcísio procurou afastar os boatos de que demitiria o Secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, alvo cada vez maior de pressões dos políticos de oposição após os episódios de violência. Segundo o governador, Derrite está fazendo um bom trabalho na área. “Basta olhar os números.” É verdade que as estatísticas mostram um recuo expressivo em algumas modalidades de crime. Exemplo disso são as atuais taxas de roubos, as menores registradas desde 2022. Por outro lado, houve um aumento da letalidade nas ações policiais durante o atual governo. As mortes pela polícia mais que dobraram desde que Tarcísio assumiu. Somente entre janeiro e outubro deste ano foram 676 casos.
Responsável pela área, o secretário Derrite chegou ao cargo por indicação de Jair Bolsonaro. Um dos argumentos a favor da linha dura é que, apesar das muitas críticas e denúncias por excessos, a popularidade do governo aumentou em cidades onde ocorreram as ações mais letais das forças de segurança. “Com mais atuação policial, obviamente haverá mais autuações e eventuais confrontos, com possíveis óbitos”, afirma o deputado federal Capitão Augusto Neto (PL), vice-presidente nacional da legenda. “Tirando esses casos mais recentes que devem, sim, ser punidos com rigor, o aumento da letalidade policial mostra que a polícia está na rua protegendo a população contra o bandido”, completa. Para muitos especialistas, no entanto, a sequência de casos indica uma cultura de violência avalizada pelo estado, uma espécie de licença velada para matar. “A grande marca da gestão atual não é a melhoria no combate ao crime, mas a escalada da brutalidade policial”, afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Independentemente dessa discussão, o fato é que os resultados na área de segurança serão fundamentais para o futuro político de Tarcísio, sobretudo se ele quiser alçar voos mais altos em 2026. “Os casos recentes ligaram um alerta”, reconhece um aliado da ala bolsonarista. O governador chegou ao Palácio dos Bandeirantes prometendo fazer uma gestão moderna e equilibrada nas mais diferentes áreas, incluindo a segurança pública. Evidentemente, isso não combina nada com uma PM que mata criança com bala perdida de espingarda, executa assaltante com onze tiros pelas costas e atira gente de viaduto. Tarcísio precisa mostrar que é séria a disposição de punir esse tipo de comportamento e terá mais trabalho ainda para demonstrar que esses casos representam, de fato, uma exceção.